Chegamos ao verão e, como sempre acontece em um país tropical, chove com frequência. Na última terça-feira de chuva, pegamos uma das grandes avenidas da cidade, que está sempre movimentada, principalmente no horário de pico da manhã.
Apesar do clima ameno, a chuva desabava com força, transformando o movimento urbano com passos apressados. Pela janela eu via as multidões aglomeradas nos pontos de ônibus, protegendo-se como podia. E então…
No meio da calçada, algo capturou minha atenção. Uma cena marcante. Daquelas que, se você não está atento, não percebe o quão quão preciosa e única. No vazio da calçada, longe da proteção da cobertura de qualquer edificação, lá estava ela: uma mulher dançando. Sim, dançando na chuva.
É curioso como algo assim pode nos desconcertar. Talvez porque a ideia de dançar sob a chuva tenha se tornado incomum nos nossos dias. As pessoas, geralmente, preferem correr, buscar abrigo entre uma marquise e outra, esconder-se sob qualquer telhado que ofereça refúgio. Mas, naquela manhã cinzenta, ela não corria, não se escondia. Ela simplesmente dançava.
Mas o que realmente me chamou a atenção é que aquela mulher não era uma criança dançando na chuva, o que poderia ser esperado. Nem era uma jovem com o brilho da despreocupação nos olhos. Ela parecia estar na faixa dos 40 ou 50 anos. Usava fones de ouvido e balançava o corpo de forma rítmica, completamente imersa na música que só ela ouvia. Foi uma experiência breve; se fosse um vídeo, talvez ocupasse apenas dez frames na longa sequência do meu dia. Contudo, para mim, aquele instante ficou congelado no tempo, como uma fotografia.
Ali estava ela, movendo-se em meio à água que jorrava. Talvez estivesse fria, talvez não. Talvez ela já estivesse completamente ensopada, e correr para escapar da chuva não fizesse mais sentido. Afinal, o estrago já estava feito. É curioso pensar nisso. Hoje em dia, parece que perdemos até mesmo a disposição de caminhar sob a chuva. A encaramos como um incômodo. Algo que arruína penteados, encharca roupas, ameaça com resfriados.
Esquecemos que a mesma chuva que nos molha também rega os campos e põe comida na nossa mesa. Ela refresca os dias quentes e pinta o mundo de uma maneira que um dia ensolarado jamais poderia: com tons de cinza, pintando espelhos no chão. Poucos de nós se atentam a isso, sob o teto abobadado das nuvens densas que nos cobrem.
Aquela mulher fazia da sua jornada mais do que só um dia molhado e desastroso. Enquanto descia do ônibus, chovia. Antes de chegar ao trabalho, chovia. Na verdade, a chuva estava lá, como tantas vezes está na vida Na verdade, muitas vezes em nossa vida só chove e chove. Não há como evitá-la. Ela cai, e você não pode simplesmente parar o tempo ou convocar o sol. A chuva vai continuar, e você não poderá ficar em casa.
As segundas-feiras chuvosas também existem. Aquelas em que você tem que ir ao trabalho mesmo quando não quer, quando o clima instável te convida a ficar na cama, escondido sob as cobertas. O dever te chama. Mas o dever chama. Você precisa sair, e a chuva continuará a cair.
Trago isso como uma metáfora. A vida nem sempre é uma manhã ensolarada com pássaros a cantar. Há dias de verão com céu anil e outros em que, apesar do clima quente, a chuva continua a cair. E há dias em que o frio do inverno se mistura às gotas geladas que escorrem. Em qualquer uma das estações, quando chove, você precisa vestir o casaco e pegar o guarda-chuva. Mas, em todas essas estações, você tem uma escolha: aumentar o volume e dançar.
Você não pode controlar a chuva, mas pode decidir o que toca no seu Spotify. Pode escolher entre Frank Sinatra ou, quem sabe, Capital Inicial. Uma melodia que combine com o clima, transporte você para uma paisagem ensolarada, convide a um café ou faça seus pés dançarem.
Não dá para controlar o clima ou determinar tudo que acontece na vida, mas é possível escolher a melodia que vai te acompanhar enquanto a chuva cai (e dançar ao seu ritmo).
1 Comment
Deus abençoe! Belo texto
Dançar é bom para nossa vida!