Quando Ele me Amou – Capítulo 3

Ele havia ficado até tarde no trabalho novamente, as demandas estavam intensas devido ao final de semestre, tornando as metas insuportáveis. Mas ele sabia que a recompensa seria boa no final.

Considerando as comissões que iria receber, conseguiria comprar um carro e ainda sobraria algum dinheiro para uma finalidade que ele já tinha em mente: iriam viajar. Havia se programado para tirar quinze dias de férias no próximo mês. Planejava contar à sua esposa naquela noite, por isso estava ansioso para chegar logo em casa. Talvez pudessem até pedir um delivery.

A verdade é que estavam precisando disso. Casaram-se cedo, em condições econômicas não muito favoráveis. Na época, ele tinha uma pequena reserva e um carro popular; ela estava trabalhando em um emprego que não pagava muito bem, mas eles tinham tudo o que precisavam: amor. Isso era motivo suficiente para arriscar aquele salto no escuro.

Joshua vendeu o carro (foi doloroso), Grace economizou uma reserva com o seu salário e lá estavam eles, prontos para celebrar uma cerimônia simples, uma lua de mel em um destino não tão distante e alugar um apartamento modesto nos arredores do centro da cidade.

Todos os conhecidos achavam isso tão instável e perigoso, mas o casal achava que valia o preço a ser pago. E lá se foram seis longos meses de planejamento. Para o noivo, ansiedade; para a noiva, apreensão. Até chegar o grande dia.

Joshua se lembrava do sorriso no rosto dela e de como parecia feliz. Seus cabelos pendiam de uma bela tiara e o vestido, tão alvo, reluzia ao sol. Grace estava deslumbrante.

Com o passar do tempo, no entanto, a rotina os acomodou. Ela perdeu o emprego e os apertos financeiros se tornaram mais frequentes. Tiveram que economizar reduzindo os passeios, viagens, jantares fora de casa e outros gastos supérfluos. Ele, por sua vez, estava se esforçando para fazer horas extras e bater todas as metas possíveis para aumentar a renda. Apesar dos sacrifícios, entendia que todo esforço valia a pena.

Quando solteiro, essas pressões não pareciam tão relevantes. Apertar-se para pagar algumas contas, ter menos luxos e viver com pouco conforto eram coisas com as quais ele se acostumava facilmente. Mas agora era diferente; ele desejava proporcionar o melhor para sua esposa. Apesar das dificuldades, sabia que o amor os sustentaria e que, no fim, essa pequena crise seria superada. O que não nos mata, nos torna mais fortes.

Ao alcançar a porta do apartamento, respirou profundamente, tentando aliviar o cansaço do dia. Com um semblante tranquilo e entrou.

— Querida, cheguei! – disse imediatamente

E lá estava ela, bem trajada, como se tivesse saído ou pretendesse sair em breve.

— Boa noite, amor. Você demorou hoje…

— Sim, as coisas estão complicadas lá no trabalho.

— Mas está tudo bem?

— Sim, está sim. Apenas o fechamento do semestre, é sempre mais complicado.

Ele olhou-a de cima a baixo, estava bonita. Maquiada e com roupas novas, um cuidado que ela tinha com menos frequência após alguns meses de casamento.

— Você foi a algum lugar? – ele perguntou.

— Se esqueceu?

Subitamente, ele se constrangeu por não ter se lembrado.

— É hoje? – perguntou espantado. Era apenas o segundo ano juntos e ele já havia se esquecido da data de seu aniversário de casamento.

— Sim… – disse desapontada. – Você sequer atendeu o telefone ao longo do dia.

— Sinto muito, estava tão corrido. Você me entende, não? 

— Claro, está tudo bem – ela deu de ombros.

— Mas podemos compensar isso. Onde iremos comemorar?

— Algo simples, não precisa se preocupar.

— Que tal irmos naquele restaurante de comida japonesa que você gostava tanto?

— Seria ótimo, mas… lá é um pouco caro. Acho que não podemos gastar muito este mês.

— As coisas vão melhorar no próximo, acho que podemos nos dar esse luxo. Temos o cartão de crédito para essas emergências.

Ela forçou um sorriso. Fica ainda mais bonita sorrindo, Joshua concluiu. As coisas não estavam fáceis nos últimos tempos, portanto poder alegrá-la era algo que valia a pena.

Ele tomou um banho rapidamente, vestiu uma roupa casual, combinando jeans azul e camisa xadrez. A noite era uma oportunidade de mudar um pouco os ares da relação e, quem sabe, tudo que eles precisavam para estabilizar aquela instabilidade que vinha surgindo.

O percurso de táxi não foi muito agradável. Era evidente que Grace estava chateada, embora não se pudesse afirmar se era pelo fato de Joshua ter esquecido da data, por não terem planejado nada especial, ou se havia algo mais por trás daquela carranca. O motorista, a princípio, tentou ser simpático, ajustando o rádio e puxando assunto, mas suas tentativas só pareciam piorar o clima entre eles.

Joshua se lembrou dos primeiros encontros, antes de ter seu próprio carro, quando, cansados depois de se divertirem em um restaurante agradável, no cinema ou uma noite na casa de amigos, ela deslizava suavemente no banco do táxi para recostar-se em seu ombro, aguardando pacientemente ser deixada em casa. Aqueles segundos poderiam ter durado uma eternidade, ele lamentou.

A fachada vermelha do Hashimoto’s brilhou em meio a avenida movimentada. As lanternas de papel penduradas sobre a porta eram as mesas que os receberam ao longo dos anos. O ambiente era escuro, com mesas de mogno e iluminação suave, o que tornava tudo muito aconchegante.

Pegaram a mesa perto da janela, o restaurante em si não tinha uma vista tão legal, mas era mais fácil para puxar assunto. Podiam comentar sobre qualquer coisa que acontecesse na calçada lá fora. Os primeiros assuntos foram mais amenos, falaram do dia corrido e das coisas entediantes da rotina, mas logo a conversa evoluiu. Com o cardápio em mãos, eles debateram sobre melhores combinações para apreciar aquela noite. Ela estava tão incerta quanto ao que escolher, como se essa fosse a decisão mais importante de sua vida. A julgar pelas dificuldades dos últimos dias, talvez fosse mesmo. Se queriam tornar aquela noite memorável, cada detalhe importava.

Quando o garçom se aproximou, Grace sugeriu:

— Que tal começarmos com um Maki Filadélfia e alguns temakis?

Ele assentiu, decidido a deixá-la conduzir a noite.

— Eu gosto desse contraste do cream cheese com o salmão – comentou, lembrando-se de como ela costumava elogiar aquele prato.

Enquanto aguardavam, começaram a se desarmar, trocando olhares mais longos e comentários superficiais sobre coisas aleatórias, mas aos poucos surgiram as risadas e as lembranças que há muito tempo não compartilhavam levando-os de volta aos momentos mais leves da vida a dois.

— Lembra quando planejávamos ir à Europa? – Ele perguntou em determinado momento, querendo intencionalmente mencionar a pretensão de viajarem no próximo mês.

— Sim, parecia um sonho possível naquela época.

— Ainda é.

— Joshua, temos despesas, responsabilidades e eu continuo desempregada.

— Isso é temporário, as coisas irão melhorar.

— Gosto do seu otimismo – ela sorriu, dando um gole em sua bebida e finalizando com uma expressão sonhadora. – Eu sou do tipo que só acredita vendo.

— Grace, você é uma boa profissional, tem um bom diploma, vai conseguir ser contratada.

— Sem experiência é difícil conseguir algo na minha área.

— Você poderia tentar algo novo, não exatamente na sua área.

— Josh, eu fiquei cinco anos naquele curso, trabalhar com outra coisa seria regredir.

— É claro – ele concordou, tentando ser compreensível dentro do possível. Sabia o quanto Grace era teimosa, gostava de chamar isso de obstinação, o que até poderia ser positivo. Foi esta motivação e coragem que a permitiu abandonar sua cidadezinha do interior aos dezessete anos para estudar naquela cidade grande, sem muito dinheiro, mas muita esperança. Pulando de emprego em emprego ela conseguiu se sustentar, se formar e se casar.

— Eu bem que gostaria de visitar o Louvre – Joshua disse olhando pela janela.

—  Éramos tão ingênuos, a vida de adultos é totalmente diferente – Grace respondeu com sarcasmo, mas ao mesmo tempo havia um pouco de amargura em sua voz, algo que Joshua não deixou passar despercebido.

— O que você quer dizer com “diferente”?

— Ah, você sabe: despesas, boletos, responsabilidades… – ela respondeu, desviando os olhos rapidamente pela janela.

— Falando desse jeito parece um fardo – ele respondeu desapontado.

— Não é isso. Mas não é o conto de fadas que nós imaginávamos que seria.

— A vida real tem seus desafios, mas eu estou satisfeito. Você não?

— Ah sim… – respondeu ela em um tom pouco convincente. – Mas você não esperava mais?

— Como assim?

— Eu não sei, a vida parecia mágica enquanto namorávamos. Éramos alegres, sonhadores e livres. Parecia que íamos conquistar o mundo juntos, mas hoje nós mal conseguimos sair para jantar com frequência.

— Isso facilitaria se você tivesse um emprego – ele comentou de maneira branda, mas a resposta acabou saindo mais ofensiva do que deveria. A expressão dela murchou. – Me desculpe, eu sei que você tem se esforçado nas entrevis…

— É que hoje sou a princesa presa no castelo, sempre atarefada com as coisas da casa!

— Não venha se fazer de vítima, eu também ajudo nas horas de folga – Joshua percebeu que a “noite perfeita” estava indo por água abaixo e tentou se controlar. –  Querida, isso não é uma discussão. Estamos vivendo uma pequena crise, só isso. É algo temporário, algum dia as coisas se acertam.

Ela encarou-o por um instante sem dizer nada. Vítima, Grace pensou em silêncio. No fim, a vida a dois é como um cabo de guerra, com um certo e um errado.

Olhou para fora. Uma rua escura se estendia, com carros indo e vindo, alguns pedestres trafegando e um ponto de ônibus onde uma jovem aguardava sozinha por um ônibus. Ela pode não ter um carro, mas pode ir aonde quiser, pensou. Deve ter trabalhado muito, está completamente cansada, mas ainda assim vai para onde quer.

O garçom voltou, trazendo a entrada, e eles puderam mastigar e distrair-se um pouco com os sabores, afastando-se da discussão iminente. Grace percorreu o saguão com os olhos buscando algo para “quebrar o gelo” novamente. Em uma mesa próxima dali, observou uma mulher pouco mais velha que ela, na faixa dos quarenta anos, e uma garota que aparentava ter cerca de quinze anos. Eram mãe e filha, divertindo-se entre risadas e fotos no celular. Analisou a cena por um instante com certa empatia. A mulher estava desacompanhada e sem aliança, provavelmente divorciada, mas a filha permanecia como sua fiel companheira. Elas parecem cúmplices e companheiras, como duas adolescentes, concluiu.

— Às vezes, acho que está na hora de termos filhos – deixou escapar.

Ele mordiscou um pedaço do enroladinho de arroz e sorriu.

— Filhos dão gastos, coisa que por enquanto não estamos podendo ter – explicou. – Mas não nego que gostaria de ver uns pezinhos correndo pela sala.

— Quanto aos gastos, podemos nos apertar um pouco mais. Não é algo tão impossível.

Ele deu de ombros. Realmente, seria interessante ter um garoto correndo pela sala e bagunçando tudo. Talvez uma criança fosse tudo que eles precisavam para uni-los novamente, como um elo forte em uma corrente fraca.

Sendo assim, seria bom se planejarem financeiramente, fazer uma pequena reserva para as despesas extras que começariam a surgir quando a criança nascesse. Isso significaria que a grande viagem que Joshua estava sonhando precisaria esperar um pouco mais. Mas se for para fazê-la feliz, por que não? Pensou.

— Bom, a ideia me parece interessante – disse por fim. – Eu acho que podemos nos esforçar para fazer isso dar certo.

Ela sorriu, tomou a mão dele e por um instante sentiu algo diferente. Não era exatamente como se sentiu quando ele a pediu em namoro, ou quando o viu no altar. Sem frio na barriga ou expectativas, apenas alívio e esperança. Algo parecido com quando, em uma semana chuvosa, os ventos começam a soprar e você tem certeza de que logo as nuvens serão dissipadas e o sol voltará a brilhar.

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Victor Freitas

Rabiscando papéis desde os nove anos vejo na escrita a forma de conversar comigo mesmo, e através dela convido o mundo para participar desse diálogo. 

Reflexivo e poético, me pego explorando o mundo através de suas metáforas. Romantizando as emoções e os desafios que enfrento todos os dias. Um retrato parecido com os roteiros vividos por cada um de vocês.

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