Quando Foi que Eu Cresci?

Um dia desses, eu estava sentado à janela, quando me apareceu aquele menino do gorro verde, sorridente a voar. A experiência foi tão incrível que, logo em seguida, saí correndo em busca do telefone para contar ao meu amigo John.

“John, eu acabei de vê-lo!” disse entusiasmado.

A voz sonolenta do outro lado da linha perguntou, confusa: “Quem, amigo?”

“Daquele menino do gorro verde… Aquele que nunca cresceu!” respondi.

“Ah, você quer dizer aquele pessoal que trabalha nos shoppings no natal?” John perguntou desinteressado.

“Não seja bobo, o Peter Pan!”

“Ah sim, e eu sou o bobo…” comentou com um tom de deboche, “E como ele está?”

“Daquele mesmo jeito, eu acho… Sabe, eu não sei! Fazia tanto tempo que eu não o via que até me esqueci de como ele era.”

“E como ele é?”

“Sabe que não me lembro. Foi difícil vê-lo no começo, estava escuro, mas era ele.”

Tenho certeza que sim…” um bocejo. “Bom, está tão tarde e trabalho amanhã cedo. Que tal assim, vou dormir, e você me conta outra hora.” Nos despedimos e John desligou.

Quando voltei à janela, ele já não estava mais lá. Estava tarde, e eu também precisava voltar a dormir, mas já havia perdido o sono, Talvez eu nem tenha o visto de fato, provavelmente era apenas meu reflexo no vidro sujo. Era sempre isso desde a infância.

E se fosse o Peter? Ele seria capaz de voltar, apesar de tudo? Em nossa última despedida, lembro-me de ter sido extremamente rude, como costumamos ser quando tentamos deixar a pureza da infância para trás.

Eu lhe disse coisas sobre crescer e não ter mais tempo para coisas de criança. Creio que a gota d’água foi quando eu lhe disse que estava grande demais para perder meu tempo imaginando um menino voador. Pessoas de verdade crescem, estudam muito, conseguem bons empregos e tocam a vida. Para mim, essa era a maior prova que Peter não era real.

Aos poucos, ele, Ali Babá e o Pequeno Príncipe foram se tornando apenas aquarelas nos livros da minha estante. Livros que escondi quando trouxe amigos pela primeira vez em minha casa, afinal, quem quer ser amigo de uma criança imatura? A única barba que combina com a imaginação é a do Capitão Gancho. E ali ficou toda a cor. No fim, crescer é cinza. Não por causa das responsabilidades e maturidade que adquirimos, mas porque, ao longo do caminho, perdemos as preciosas belezas que a imaginação nos proporciona.

1 Comment

  • Tay

    UAU!!! Nossa, que lindo texto.
    A objetividade uniu-se à sutileza das palavras em meio à essência da ideia: crescer é bom, ruim é quando PERMITIMOS que nosso crescer seja cinza ao apagar dos nossos olhos, ao longo da caminhada, a beleza da imaginação.

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Victor Freitas

Rabiscando papéis desde os nove anos vejo na escrita a forma de conversar comigo mesmo, e através dela convido o mundo para participar desse diálogo. 

Reflexivo e poético, me pego explorando o mundo através de suas metáforas. Romantizando as emoções e os desafios que enfrento todos os dias. Um retrato parecido com os roteiros vividos por cada um de vocês.

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